terça-feira, 27 de abril de 2010

Historiadores, jornalistas e Neymar.

Eis um elemento comum aos que participam deste blog (http://www.meioazero.blogspot.com/) : somos todos historiadores, perebas, além de apaixonados por futebol.  Depois de ler a recente entrevista do Neymar no Estadão, tive uma espécie de click, que atordoa a minha cabeça nos últimos dois dias: o que, nós, historiadores temos em comum com os jogadores de futebol? Em geral, pouca coisa, eles não são apaixonados por futebol, e, evidentemente, em geral, se não craques, sabem jogar bola. De toda a sorte apenas um sentimento é capaz de nos unir: o ódio comum aos jornalistas. Os historiadores, é verdade, odeiam os jornalistas, muito mais por uma questão de disputa pelo monopólio do saber escolástico, do que propriamente por uma questão justa e correta. Os jogadores, porém, tem o dever e o direito de odíá-los. Inventam mentiras, contam fofocas, são invasivos, conduzem entrevistas. Existe apenas uma palavra para descrever a entrevista do jovem Neymar ao Estadão, neste domingo: covarde. É, acima de tudo, uma entrevista covarde, de um jornalista extremamente arrogante, ciente de seu prestígio e status, com certa inveja de não ter o dom do Neymar, que  massacra o jovem menino com perguntas mesquinhas, plenas do preconceito de classe média.

Neymar é retratado como um jovem politicamente alienado, sem educação, e crente em uma seita neopentecostal, coisas que, parecem, na entrevista, interdependentes. Perguntam a Neymar sobre carros importados, sobre mulheres, sobre políticos. Neymar responde o que 90 % dos meninos de 18 anos no Brasil, responderiam, ou seja, que gosta de carros caros e de mulheres bonitas, e que não se interessa por política. O problema, é claro, não é do Neymar, mas principalmente do Santos, clube em que o Neymar se encontra há alguns anos, desde os TREZE, pelo menos, que investiu ridiculamente em uma formação dentro de campo, ignorando a formação do cidadão Neymar. (não vale lembrar de Robinho que perguntou quem era Nílton Santos?) Thierry Henry tinha absoluta razão quando disse que os jogadores brasileiros eram bons porque não precisavam ir à escola. Complemento Henry: não vão à escola por que nem clubes nem governo estão interessados nisso. E, tomando isso como quadro, a entrevista do Neymar é um reflexo mais do que natural desta estrutura medíocre sobre a qual se assenta a formação de jogadores no futebol brasileiro.

Agora, qual a abordagem do jornalista? Neymar é um jovem alienado. E, bizarramente, há uma associação muito forçada entre a alienação política e a alienação religiosa. Uma simplificação quase forçada da tese marxiana presente nos Manuscritos: "A religião é o ópio do povo". Não acho forçoso pensar que tal entrevista tenha sido pensada a partir do caso do "abrigo" dos espíritas, quando Neymar (e outros) recusaram-se a entregar presentes a um orfanato ligado à religião espírita.

Essa entrevista, abre, na verdade, muito mais discussões para o que compreendemos sobre formação dos jogadores de futebol no Brasil do que especulações sobre a vida "mesquinha" do jovem craque santista. A entrevista é bastante conduzida e Neymar e, em retirada de um contexto de total relaxamento, o que pareceu ser a entrevista, soa de forma patética. Se percebermos isso nas entrelinhas, percebemos como há uma inocência muito maior do que ganância na frase: 'Quero uma Ferrari e um Porsche', como uma criança, dentro de uma loja de brinquedos, escolhe a Barbie, ao invés do Ken. O que fica, porém, como fim último, para o leitor apressado (90 % da população leitora dos jornais), é a manchete e o lead: "Neymar, estrela maior do Santos, é gastão. Mas dá 10% de tudo à igreja"


Absurdo. Alienação.

Bizarro que dentro da entrevista há todo um discurso-nativo extremamente elaborado do significado do dízimo que passa em absoluto despercebido pelo jornalista.

Deixarei de falar, leiam a entrevista:



Por Luiz Guilherme Burlamaqui, originalmente escrito para http://www.meioazero.blogspot.com/

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