domingo, 2 de maio de 2010

Lévi-Strauss, o futebol e outras coisas...

Lévi-Strauss diz que toda a sociedade carrega em sua organização uma dose, variada em grau, de etnocentrismo. O antropólogo, com seu "olhar distanciado", deve se libertar de alguns dos seus preconceitos mais simples e fundamentais para, no rompimento com o "ponto de vista do nativo", explicar as outras sociedades e, por relação, a sociedade em que vive. Tenho lá minhas dúvidas, em antropologia, para com a análise lévi-straussniana por demasiado rígida e esquemática, mas, em certos aspectos, acredito que ela seja perfeita para a análise do "jogo bonito".

Publiquei aqui, com certa polêmica, um texto sobre Kenny Dalglish e um outro sobre a 'arrogância à brasileira' nas análises sobre o futebol. Por desconexos que possam parecer à primeira vista, ambos tem uma matriz comum: a afirmação de que não somos o povo mais desesperadamente apaixonado por futebol e que, em muitos países existem loucos tão loucos (se não mais) quanto nós pelo esporte inglês (?). A arrogancia à brasileira é uma espécie de etnocentrismo futebolístico. Essa arrogância é defendida com unhas e dentes com base em resultados: temos os melhores resultados em Copas do Mundo (o que é, a meu ver, bastante relativo, acho que, em termos gerais, a Alemanha rivaliza muito com o Brasil), produzimos os melhores jogadores, amamos o jogo mais do que em qualquer outra parte do globo, o nosso clube e a nossa seleção são mais amados do que quaisquer outros, nossos ídolos insuperáveis.

Senhores, amigos, leitores deste blog, lamento informar: todo este ponto de vista do nativo, nossas verdades mais absolutas e sacrossantas (todo etnocentrismo produz verdades absolutas), precisam e devem ser relativizadas. É possível haver na Escócia um grande jogador. É possível que o Liverpool F.C tenha com seu maior ídolo uma relação semelhante a que tem o maior clube do Brasil com a sua estrela-guia. Quero ir além: não amamos o jogo mais do que em qualquer outra parte do globo. Semi-final de 1998. Holanda contra Brasil. Resultado do jogo 1 x 1, vitória do Brasil nos pênaltis. Resultado da audiência na televisão. Proporcionalmente, mais holandeses viam o jogo do que brasileiros. Não lembro os dados com exatidão, mas 95% dos televisores brasileiros ligados à hora do jogo, exibiam o jogo; na Holanda, o número era de 97 %. A Holanda, assim como o Brasil, parou para ver o jogo. Amigos, não estamos sós.
Não quero entrar na questão do "pertencimento clubístico" e da freqüência à estádios de futebol porque é uma questão muito extensa e bastante complicada. Todavia, contudo, porém, entretanto, na Alemanha as ligas inferiores à Bundesliga, detem excelentes médias de público. A média de público da segunda divisão da Alemanha se equivalia à média de público da primeira divisão do Brasileiro.

Como é amada a Seleção da Escócia? Não acredito que haja devoção maior a uma seleção do que à escocesa. Tudo, é claro, motivado pelo ódio aos ingleses. Em um jogo que ocorreu ritualisticamente de 1800 e lá vai fumaça até os anos 1970, escoceses e mais escoceses migravam para o país abaixo na esperança de poder inverter, dentro de um campo de futebol, a ordem hegemônica, política e econômica.

Difícil mesurar o amor. Embora seja muito fácil medir o ódio...
E os jogadores? Se tivemos, Garrincha e Pelé, soberanos absolutos, o que dizer de Ferenc Puskas, Alfredo Di Stefano, Don Diego Maradona, Gullit, Marco Van Basten, Johann Cruijff, Michel Platini, Lato e Boniek (em breve uma coluna sobre eles...), Zinedine Zidane, Abedi Pelé, Michael Laudrup, Roger Milla, Eusébio, "Pantera Negra", George Best, Bryan Robson, Bobby Charlton, Stanley Mathews, Kenny Dalglish, Wayne Rooney, Paul Scholes... Na Holanda, Cruijff é melhor que Pelé, na Argentina, Maradona é melhor que Pelé, na Escócia Kenny Dalglish é melhor que Bobby Charlton, na Irlanda do Norte, nunca houve um homem como George Best!

Vou encerrar com uma observação: é de que o etnocentrismo futebolístico não é exclusivo da cultura brasileira. Todos os amantes de futebol carregam consigo, em doses variadas, um pouco deste "mal". É afinal o etnocentrismo que sustenta a nossa crença no jogo, todas as nossas verdades futebolística se sustentam no fato de que o que estamos vendo é o centro do universo. Os jogadores a que assistimos são melhores, os times são os maiores e assim sucessivamente, se não qual seria a graça de torcer? Claro que isso é ainda mais verdadeiro e absoluto para o caso brasileiro, o país pentacampeão do mundo...Outros povos, porém, tentam buscar outras explicações para consolidar a crença: os ingleses seriam os inventores do futebol, os alemães o país mais vitorioso em Copas do Mundo, os holandeses os que praticam o jogo mais bonito e cosmopolita do mundo, e assim por diante. Verdade que a globalização e a televisão a cabo bagunçaram um pouco estas verdades absolutas. Há pouco tempo (1981) o Campeonato Carioca era quase tão importante quanto a final do Mundial. O Flamengo veio correndo às pressas do Japão para jogar um jogo contra o Vasco (acho...), o jogo que "realmente importava..." Hoje isso não é mais possível. E, talvez, só tenhamos a sensação de estarmos no centro do universo quando nos vemos à frente da televisão assistindo a um jogo de Uefa Champions League. De certa forma, a pós-modernidade ruiu, moderadamente, estas verdades etnocentricas e absolutas do futebol. Mas isso é assunto para outros textos.

Apenas um recado: os que querem, verdadeiramente, estudar o futebol, conhecer a dinâmica do jogo, sua história, seus craques, devem se despir de todo e qualquer preconceito, de toda e qualquer verdade absoluta e sacrossanta, devem romper, em suma, com "o ponto de vista do nativo", que valoriza sempre aquilo que lhe está próximo. Sempre tendo em mente que lá fora: também se ama o futebol, e esta paixão, embora matizada por contextos diferentes (o historiador não é sempre o historiador do contexto?), é uma só: o amor pelo jogo e para o jogo.

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