sexta-feira, 18 de junho de 2010

Jamaica Paes x Josué Gabeira

Fidalgos amigos, as duas últimas postagens foram sintomáticas e revelaram muito a respeito não só do futebol, mas do referencial de quem vê o futebol. Segundo Jamaica Paes, se você for do subúrbio ou da baixada, sua visão é outra, suas expectativas são diferenciadas e o que você espera é raça e entrega, devoção em campo, o que imuniza qualquer pereba dos seus 367 passes errados e dos seus 296 gols perdidos. Não é a toa que os jogadores desabonados de técnica são sempre chamados de "guerreiros": Leandro guerreiro, Charles guerreiro, Marcinho guerreiro e por aí vai. Guerreiro quer dizer, neste caso, que o cara é ruim de dar dó, só destrói e não cria nada, mas é fundamental pro time caminhar. Não adianta, meu amigo, soltar o Tenório Cavalcanti no meio campo com sua capa preta e sua lurdinha desenbestada se ele não tiver o mínimo de mira. O Justiceiro pode até ganhar o lance, mas pode compromoter o jogo.

O problema aqui é que um time com 11 "guerreiros" só carrega o piano, mas não toca uma nota, não junta lé com cré e desafina a orquestra toda. Essa história de "se tudo estiver dando errado comece a dar carrinho" é muito boa pra enganar aqueles que se contentam apenas com a "entrega" do jogador. Quando falamos que um jogador é "esforçado" estamos na realidade dizendo "tadinho, ele tenta mas é um fracasso". É necessário que após a enxadada, seja plantada uma semente que floresça em gols. Temos que tomar cuidado com esta visão de que os "da baixada" não possuem maiores exigências em relação ao espetáculo, que basta suar pro povão se deleitar. Como Joãosinho trinta já dissera, quem gosta de pobreza e miséria é o rico (e o Sebastião Salgado), pobre gosta de fartura e riqueza e, é claro, lances memoráveis que resultem em partidas inesquecíveis. Caso contrário, estaríamos aceitando que para alguns segmentos da população basta dar feijão com arroz que ficam satisfeitos, pão e circo, e não creio ser este o caso.

É claro que Josué Gabeira reflete o pensamento da Zona Sul, de alto poder de crítica e de valores diferenciados. E não é por acaso que escolheu a Argentina como opção. Quem mais ele poderia escolher se não nossa arqui-rival, nossa inimiga mortal para torcer a favor? Se um filho quer atormentar um pai vascaíno. pra que time ele vai torcer? Flamengo, óbvio. A escolha hermana é sim intelectual mas também inconscientimente social, já que ela reverbera nos outros de maneira diferenciada, cria discussão e repercute de forma ampliada. A Eslovênia poderia ser o melhor time do mundo que ele nunca torceria pra ela. Em meus tempos de menino, todos que queriam chamar a atenção, ou torciam contra o Brasil, ou a favor da Argentina, ou os dois, ainda que sempre no final comemorassem como crianças mais um caneco canarinho. Ou vocês acham que alguém tem coragem de comemorar um título argentino por aqui?

Achar que o Messi é craque, não se discute. Agora, daí a afirmar que estamos diante de uma seleção diferenciada, que apresenta um futebol bonito e envolvente é uma distância considerável. Fazer 4 gols na poderosa Coréia do Sul não é credencial pra nada. Eu me lembro da Romênia do Hagi, da Bulgária do Stoichkov, de Camarões de Roger Milla, todos jogadores por quais tive apreço, da mesma forma que tenho pelo Messi. Agora, torcer pelo triunfo deles é o mesmo que ir numa final FLA x FLU e torcer pelo adversário, impossível. E aqui entra a intelectualidade desprovida da emoção do Gabeira, que permite ao cético separá-las em um campo inseparável, o da rivalidade futebolística.

Se gritar no gol da Argentina vendo o jogo com o Jamaica lá na baixada, vai pro saco, curto e grosso. Não se grita Vasco no meio da Raça. Se estiver na Zona Sul com o Josué, começará um debate cheio de citações e falas prolixas, que se estenderão para muito além do jogo, tornando-se até mais importante que ele. O que não podemos esquecer é que, seja na birosca da Tia Doca ou no Devassa, todos esperam pela mesma coisa: gols, beleza e emoção, independente de quanto se tem no bolso ou onde se mora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário