terça-feira, 22 de junho de 2010

Mapeando a Copa de 2010: da supremacia da tática e da ausência da técnica

Quanto mais se fala sobre o futebol, menos se conhece de futebol. A Copa do Mundo é o exemplo perfeito: o fato dela 'ter estado' horrível (ela melhorou recentemente) gerou uma série de opiniões tiradas 'do conhecimento espontâneo', que todo brasileiro 'detem e tem' sobre o futebol. Reentemente numa mesa-redonda da ESPN Brasil, cada comentarista detinha uma posição acerda 'da pior copa do mundo do mundo' Para sintetizar, existiam, na mesa, duas opiniões contrastivas: de um lado a imagem corrente e recorrente é: 'o futebol de hoje é pior do que o futebol de antigamente', defendida por Fernando Calazans, Juca Kfouri e outros; de um outro lado a opinião 'abalizada', de que esta Copa era a da tática e não a da técnica, o que era defendido pelo PVC. As opiniões contrastivas dizem muito acerca das transformações que futebol de espetáculo tem passado nos últimos 20 anos, ousaria dizer, como conclusão preliminar, que todos tem e não tem razão.

 Um dos pontos críticos da mesa era o fato de que esta era uma Copa com 'poucos gols',  o que era decorrência, para uns, do baixo 'nível técnico', para outros, do 'desenvolvimento da tática'. O que quer dizer afinal a redução da média de gols no futebol-espetáculo?

Se analisarmos as mudanças do futebol-espetáculo dos últimos cem anos, veremos uma progressiva (interrompida durante os anos da Guerra) redução da média de gols em todos os campeonatos. O historiador inglês Dave Russell, para o caso do campeonato inglês da década de 1930, verificou como a mudança de estatuto no técnico transformou, significativamente, a média de gols do campeonato inglês.  No tempo do W-M, nomes como Herbert Chapman, treinador do Arsenal, ganharam notoriedade por formar um time ('boring Arsenal') que sofria poucos gols e marcava menos ainda. O tempo dos 6 x 5, dos 7 x 5, dava lugar ao tempo do 1-0, do 2-1, mas isso não era sinal, de forma alguma, de 'involução técnica', mas sim de evolução: tática e técnica.  No decorrer dos anos, em progressão lógica, à medida que o 'campo esportivo' complexificava-se, o esporte passava a movimentar 'mais dinheiro'; espetacularizando-se. A hiper-espetacularização do futebol levou o jogo, necessariamente, a uma hiper-especialização: cada vez mais é impensável, por exemplo, formar uma equipe sem um 'prepador de goleiros', 'preparador de zagueiros', 'preparador de meio-campo', o preparador físico:, etc: o conhecimento especializado tornou-se a regra, não a exceção. Os jogadores melhoraram em força, técnica. Num confronto hipotético: não tenho dúvidas em afirmar que, se, por exemplo, a seleção de hoje, enfrentasse a Seleção de 70 (uma das mais preparadas fisicamente em seu tempo) não teria grandes dificuldades em vencê-la (o exemplo é tosco, mas verdadeiro: a questao, porém, é muito mais complexa do que isso) . Da mesma forma, um conjunto de amadores dotados de alto talento nos anos 40/50 poderia fazer jogo duro com os melhores times profissionais de seu tempo, o que é inviável atualmente. Sob este ponto de vista, o futebol 'melhorou': para usar uma expressão do Damo, na esfera esportiva, o futebol-espetáculo acentuou (e acentua cada vez mais) radicalmente a diferença entre amadores e profissionais; do que a baixa média de gols é decorrência da melhora do nível tático (e, em certo sentido, técnico) desta Copa em relação às outras.

Por outro lado o recrutamento de jogadores, passou a priorizar atributos físicos, em aliança com os técnicos. Entre dois zagueiros, temos um com técnica apurada, preparo físico razoável, sem altura; o outro com técnica razoável e preparo físico e altura espetaculares, sem dúvida que o de segundo será o recrutado. De toda a forma, não creio que, em níveis globais, isso tenha grande repercussão, dado que os 'grandes jogadores', sempre foram aqueles que conseguiram aliar técnica e física e desde pelo menos os anos 70 isso tem sido assim. E claro as exceções como Maradona e Messi são sempre e serão sempre tratadas como exceções à regra.

De ordem relevante para contribuir com um suposto baixo nível técnico é o esgotamento físico da temporada européia e o parco tempo de preparação dos jogadores junto às suas seleções. As exigências da hiper-comercialização forçaram com que jogadores como Wayne Rooney tivessem de se sacrificar por seus clubes, jogando quase sempre no sacrificio. Rooney chegou à Copa cansado e absolutamente sem condições físicas, o que já havia ocorrido com Ronaldinho Gaúcho em 2006 e Zinedine Zidane em 2002. Mesmo assim, cabe destacar que Pelé em 1962-1966, assim como Maradona em 1982, Di Stefano e Puskas em 1958, sofreram com as temporadas em seus clubes, chegando à Copa do Mundo exauridos.

Cansados, os craques não conseguiram desenvolver o seu melhor futebol. Antes (até 1982, talvez, última Copa que teve os seus três principais jogadores jogando em seus respectivos países: Zico, Platini e Rummennigge), os jogadores e as seleções tinha tempo de preparação, para que pudessem formar um time, um grupo; atualmente, o que se tem? Jogadores que chegam em cima do laço, sem um mínimo de descanso, em face às exigências do calendário europeu e, principalmente, da UEFA Champions League, competição que rivaliza em importância com a Copa do Mundo que termina a menos de um mês da competição de Seleções. Maicon, Lúcio e Julio César foram os últimos jogadores a se apresentar na Seleção Canarinho, a menos de uma semana antes do embarque para a AFS.

O futebol tornou-se um esporte globalizado par excellance, cuja migração dos jogadores e de técnicos fez com que o esporte deixasse, a nível de selecionados, de ter seu centro na Europa. Jogadores como Gervinho, Romaric, na Costa do Marfim, são resultante do contato de um treinador brasileiros com jogadores africanos; por outro lado, a hiper-presença de jogadores sul-americanos, africanos e asiáticos nos  campeonatos europeus (mais do que enfraquecer as seleções européias, o que é uma meia-verdade) fortalece, sem dúvida, as seleções periféricas, como Coréia do Sul, EUA, Gana e outros, como próprio Brasil e Argentina, dado que os jogadores de seus times estão jogando constantemte 'contra os melhores', acentuando, paradoxalmente, 'a técnica e a tática'.

Portanto, penso que as posições de PVC e de Calazans são absolutamente corretas e incorretas simultaneamente. O desenvolvimento da técnica e da tática correu em paralelo no desenvolvimento do futebol-espetáculo. Ausência de gols significa necessariamente o avanço da tática e o recuo da técnica, mas sim avanço da tática e da técnica simultaneamente, dado o avanço da hiper-especialização que se verifica no campo-esportivo. Mais do que isso, a mundialização do futebol, tendo como decorrência a migração de jogadores e de técnicos, elevou também os níveis das seleções periféricas e a expressão 'não tem mais bobo no futebol' é cada vez mais verdadeira.

Ora, do ponto de vista lógico, nunca houve uma Copa do Mundo como esta, em sentido positivo. Resta apenas comentar que o futebol nem sempre gosta tanto da lógica assim, preferindo quase sempre, uma lógica ilógica.

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